sábado, 27 de abril de 2019

Abramelim

 Bem, eu e minha namorada éramos jovens rebeldes. Em algum livro obscuro encontramos um ritual de invocação e tentamos fazer, ao som de rock e com camisetas de bandas. Desenhamos as figuras geométricas, acendemos as velas e o incenso e sacrificamos uma pombinha.
- Será que era preciso matar a pomba? Ela era tão bonitinha...
- Bem, seguimos os passos né.
 Acabada a profanação colocamos um chapéu no meio do desenho e esquecemos disso um pouco. Na cozinha havia uma garrafa de vinho que logo se esvaziou, em meio a beijos e abraços voltamos para o quarto. Tirei a camisa que joguei na cadeira e percebi nela o chapéu flutuante, como se algo invisível estivesse sentado ali. O coração descompassou.
- Amor, olha ali.
Ela deu um grito e fez rosto de surpresa. O ser se mexia um pouco mas nada dizia ou fazia. Com os dias o desespero passou e o mesmo chapéu passeava pela casa, demonstrado não ser perigoso.
- Vamos dar a ele um nome, vai ser Abramelim.
Ela teve a ideia de cobrir ele com pó de arroz, para contornar sua forma invisível. Não funcionou, tudo atravessava , apenas chapéus pareciam ter de alguma forma  interação com ele. Passava o dia vendo televisão na sala, nós comíamos pipoca e víamos desenhos.
- Podemos tentar algo...
Colocamos perucas e bonés sobre a cabeça dele, e estes ficavam firmes.
- Parece que só coisas de usar na cabeça funcionam.
Colocamos então um óculos escuro e um boné em Abramelim. E mesmo com o passar dos anos ele continuava ali, aquele livro impreciso não informava nenhum ritual de banimento e devia ter roubado apenas a invocação de uma fonte segura.
Aquilo que inicialmente nós assustava agora era como um colega.
- Abramelim, essa roupa ficou boa?
Ele acenava com a cabeça em sinal de afirmação ou negação. Olhava pela janela e dava a impressão de um ar pensativo. Quando se tornou nosso amigo e começou a sair conosco para restaurantes as pessoas se assustavam e fugiam, era melhor leva-lo sem peça alguma. Mais tarde descobrimos ter cometido a profanação máxima: algo que foi feito para ser odiado e odiar, conheceu o amor.

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