quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Praga urbana

Eu penso naquele fim de semana chuvoso na fazenda. Passar os dedos no musgo macio tentando desvendar a textura. O cheiro de terra molhada se misturava ao de capim fresco, a alma infantil conhecia poucas dores e olhava para cada pedra ou besouro com curiosidade.
Crescer foi dolorido, e tentar criar laços foi mais ainda. Agora sentado na mesa da pizzaria, cercado de pessoas que conheço tão pouco a solidão me confunde. Os garfos e facas de metal sólido começam a ondular, como tiras de seda prateada, e rastejando como serpentes se enrolam nas mãos dos convidados e os prendem na mesa. Assustados, ficam em silêncio enquanto dou risada. Sinto o poder que paira. Desmancho os pratos de cera, que pingam como as velas da missa.
Caminho de olhos fechados e sinto a chuva fria, forte como se me atravessasse. Os raios conversam entre si e me tratam como surdo, embora eu possa ouvir os estrondos incompreensíveis. Mas tornando a abrir os olhos eu vejo aquela mesma fazenda amada, meus pés descalços estudam a areia fina de enxurrada, as abelhas negras procuram flores e eu mesmo estou ali desenhando no chão com um graveto.
Isso me faz lembrar da história de um homem morto diante de um espelho: seu espirito perturbado com a imagem de si mesmo não conseguiu se libertar, permanecendo eternamente preso no reflexo daquele instante. Mas talvez para mim, tornar a conhecer aquelas florestas e traçar os mesmos caminhos entre as flores na tarde úmida, fosse uma espécie de paraíso.

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