segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Rigor mortis

O ar frio disfarçava o cheiro penetrante de formol. Ele tirou os óculos e guardou o livro quando bateram na porta:
- Mais um.
O saco preto fechado sempre esconde uma surpresa. Já sozinho, abriu para analisar o conteúdo. Lavou as mãos e colocou as luvas de látex. O corpo era de um jovem,olhos verdes,cabelo escuro curto, talvez de 25 anos, certamente fumante. Se inclinou para retirar os anéis dos dedos do paciente. Seu pulso nu tocou a pele fria, sensação ruim. Depois tirou as roupas, as colocou em embalagens lacradas e foi examinar os dentes e o ferimento no peito.
Sentia um leve torpor nos braços que de repente eles ficaram insensíveis como pesos mortos. Para sua surpresa os braços do morto, agora quentes e tensos voaram em seu pescoço,lhe derrubando e sufocando. Ele caiu no chão com o cadáver por cima.
Sem poder mover os braços tentou chutar o cadáver, que encarava com aquelas pupilas opacas. Mas desta vez suas pernas encostaram na dele e o mesmo fenômeno ocorreu. Suas pernas ficaram pálidas e pesadas, com um livor na parte de baixo.
Com muita dificuldade o jovem se pôs de quatro. A cabeça pendia como a de um frango abatido e a coluna entortava.
O legista gritava, mas o corpo pesado se jogou sobre ele e lhe despiu com as mãos ágeis. O toque das barrigas o anestesiou, a morte era certa. Se sentia como se não tivesse corpo.
O rosto livido caiu sobre ele com a boca aberta. O legista parou de respirar, empalideceu e ficou com uma expressão vazia.
O que estava morto se esticou e alongou, estalando a coluna e os dedos.Procurou um espelho e analisou a extensão do ferimento. Rasgou as embalagens e se vestiu novamente. O olhar felino parecia nunca ter conhecido a morte. Observando atentamente a porta esperou o corredor ficar vazio e foi embora sem que ninguém percebesse.

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