terça-feira, 19 de junho de 2018

A mágoa e o bruxo.


Aquele menino sempre sentava no fundo da sala. Boné amassado, roupa velha e uma atadura em volta da barriga. A tal atadura era grossa e dava mutas voltas. Estava ali desde o primeiro dia de aula e até hoje não havia sido retirada. Os rapazes ouviram falar que ele foi atropelado por uma carroça carregada de tijolos nas férias e por pouco sobreviveu. O curativo devia esconder as cicatrizes, pois a essa altura o machucado já deveria estar curado, mesmo que grave.
A aula acaba e os meninos o seguiram em passos rápidos. Ele percebe e se adianta: por ter orelhas grandes todos caçoavam dele há tempos, assim ele se tornou super sensível a qualquer sinal de ameaça. Entra em um beco no caminho, que era usado para guardar lenha, mas estava vazio. Suspira aliviado... sem motivos, já o encontraram.
- Olha aqui, queremos ver tua cicatriz, e se não for por bem será por mal.
Inesperadamente ele reage com chutes e gritos mas os meninos são peritos em silenciar. O pai de um deles serviu no exército e lhe ensinou algumas técnicas. O seguram pelos braços e pernas de modo que não se mova e começam a desamarrar a faixa encardida, agora mais para causar dor do que por curiosidade.
O pobre rapaz sufocado esboça uma face de dor. A cada volta desfeita a faixa fica mais suja, manchada de sangue escuro e terra. Os meninos se assustam mas a demonstração de coragem os impede de parar. Logo na última volta, o menino esperneia os outros como se morresse e o mais velho puxa de súbito.
Entre a parte acima de seu umbigo e um palmo abaixo havia um vão na carne que ia até as costas, dividindo-lhe na metade. Essa lacuna estava preenchida por uma mistura de folhas e argila, que agora caía a e se desmanchava. O menino revirou os olhos num ultimo suspiro de dor e seu tronco continuou firme nos braços dos que o seguravam, enquanto os que seguravam suas pernas caíram sentados no chão com aqueles membros inertes que ainda pouco se mexiam. O corpo exalava um odor como se já estivesse morto há semanas e vermes emergiam da mistura de lama e sangue. Os dedos ainda tinham espasmos lentos e os olhos opacos encaravam fixamente.
Em desespero todos correram e não ousaram falar do acontecido.

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