terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Ensaio sobre a podridão

Primeira noite de jantar na casa da minha namorada.
-Fique calmo, eles vão gostar de você.
Me arrumei o melhor, mas ainda me sentia inseguro. Entramos, nos apresentamos e logo sentamos a mesa. Da cozinha se espalhava um cheiro metálico e ao mesmo tempo de carne assada.
- Sabe, só queremos o melhor para nossa filha. Nossa família é muito tradicional. Em que você trabalha?
- Sou restaurador, trabalho na biblioteca nacional, fica a duas quadras daqui.
Algum desconforto parece pairar no amor. Ela aperta minha mão e minha sogra (já pensei no casamento) vai buscar a janta.
Traz uma cabeça de criança degolada e escurecida pelo calor. Os olhos arregalados de peixe morto e o pescoço envolto num colar macabro de alface.
- O que está acontecendo aqui? Que merda é essa?
Minha namorada solta minha mão. Os pais dela me olham enfurecidos
- Está querendo nos criticar? Somos uma família tradicional e moral, é impossível que façamos algo errado.
- Eu vou ligar para a policia.
- Cale a boca e coma.
Enojado tento me levantar, de súbito ele me segura com força e as duas aproveitam minhas mãos estendidas sobre a mesa. Batem-lhe grandes pregos (desde quando havia martelos debaixo da mesa?). O grito ressoa por toda a sala.
- Veja bem, somos pessoas boas, não podemos aceitar que um imundo como você fale essas coisas. Nossa filha contou todas as imoralidades que você a influenciou a fazer, não há perdão para isso.
Olhei para ela, que estava ocupada mastigando uma orelha.O suor descia e escorria, a dor perfurante subia até as clavículas. Para minha surpresa e deleite de todos a cabeça queimada começou a falar, os olhos reviravam e o rosto ria. O pai, tirando seu cinto bateu em minha nuca.
- Imundo! Impuro! Vai ser purificado com fogo até que tua alma seja pura como a de uma criança.
A cabeça ria cada vez mais e todos repetiram o que o pai disse. Levantando rápido tentei arrastar a mesa e gritar por ajuda. Me colocaram de volta no lugar.
- Quem você pensa que é rapaz? Como você tenta se rebelar?
Juntos eles buscaram arame farpado na garagem e enrolaram na minha cabeça. O sangue que escorreu e caiu nos meus olhos me fez ver tudo avermelhado. Pude ver seus dentes afiados e garras. Outras partes de corpos antes ocultas se revelam: dedos e membros tremendo decepados. Eu estava morto. Ninguém me contou como escapar dali.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por ler mais um pensamento !
Deixe aqui sua opinião =]