sábado, 2 de fevereiro de 2019

Amálgama

Um epidemiologista nato, Matias levava uma pasta com alguns gráficos debaixo do braço. ´´Essa palestra é minha grande chance de expor minha obra''. Estava ansioso, tinha os dedos frios mas de certa forma confiante de que conseguiria ser bem visto. Foi no banheiro e conferiu seu rosto: cabelo alinhado, dentes brancos e impecáveis, a esclera alva ( tinha repugnância absurda a pessoas que tinham vasos avermelhados nela ou algum amarelado.), os olhos verdes muito bonitos...
Se apresentou a grande platéia, que parecia austera e talvez entediada. Projetou alguns slides sobre uma tela branca e começou a dar suas explicações.
Sentiu algo estranho na boca, uma espécie de tremor, mas continuou impassível.
''A apresentação está boa. Podia ter feito melhor se tivesse tempo, mas do jeito que está é boa. Que mais iriam querer? Esses idiotas nem entendem do que estou falando".
O desconforto continuava, sentia seus dentes girarem em todas as direções. Ao dizer 'esse é um dos principais meios de propagação, pois'' sentiu a sonoridade pastosa das palavras. Suas gengivas sangravam, algumas pessoas na platéia o olhavam rindo, com um ar satisfeito.
Com um estalo súbito alguns de seus dentes frontais caíram, ele parou de falar e procurava-os no chão desesperado. O coração batia fora do ritmo como numa excitação febril.  A platéia inteira estava rindo, com um olhar maldoso.
Ajoelhado no chão, sentia uma pressão envolvendo sua cabeça. Tossiu com força, muitos sons de madeira quebrando e uma dor aguda que vinha em ondas. Dessa vez vomitou todos os seus dentes, numa mistura de sangue.
A essa altura a platéia gargalhava intensamente satisfeita com o espetáculo. ''Malditos, o que está acontecendo?''. Tentava pegar seus dentes no chão mas estes fugiam dele como insetos ágeis. Bateu a mão em cima de um e tentou recolocar no lugar, mas a gengiva se mexia como os tentáculos de uma estrela-do-mar e estava frágil e dolorida.
Então, como que sentindo um golpe invisível, seu maxilar se desprendeu da mandíbula. Agora o queixo pendia como um papo de peru, uma massa desarticulada e infecta de carne que lhe caía sobre o pescoço.
Olhou para todos ali, ninguém o ajudava. Gritou ''o que querrem rre rrim?''.Chorava copiosamente deitado no chão. Alguns já rolavam no chão e riam até não poder mais. As gargalhadas ecoavam como se uma multidão de demônios estivesse rindo. Matias desejou estar morto. Aqueles dentes sólidos e perfeito daqueles malucos lhe causavam inveja, sentia vontade de arranca-los e fixar com um martelo em si. Nesse momento todos se levantaram e aplaudiram de pé, gerando um ruído infinito.

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