quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Profeta da lama

Eu vejo libélulas enlouquecidas colocando seus ovos em chapas de metal escaldante. A pobre vida ainda na semente agoniza no capô brilhante que , refletindo o sol , simula as águas.
Então me lembro da história de certa criança que caminhando no campo via casas de barro dissolvidas pelo tempo e solanáceas espinhosas que brotavam em todos os lugares.E de cima descia em visão coisas pesadas demais para se entender. A criança conhecia o sabor da argila e da água choca de tanques esverdeados. Tinha medo de quando o mato chamava seu nome várias vezes, ou quando uma arvore retorcida de tronco gordo lembrava um rosto.
Ai, se essa criança pudesse ver o futuro! Se debateria convulsa em angústia. O céu, tal como a tampa de um caixão, prenderia seu espirito no peso terreno. Pombas mortas voariam cheias de vermes. A ferida aberta no peito ferveria como piche, revelando os abandonos e o vazio dos desejos. De olhos revirados a criança  morderia a própria língua e os espíritos da aridez lançariam poeira em seu rosto. As mãos e pernas contorcidas estudariam os espinhos do chão e encontraria semelhança entre este e a superfície da alma. A espuma sanguinolenta que lhe mancha o rosto é o vinho que transborda do cálice.
Mas essa criança é como as libélulas. Nada sabe e entrega sua esperança às ilusões.

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