domingo, 22 de abril de 2018

Pluma de chumbo.

 Quando o tédio é longo a observação aumenta. O relógio na parede tem o mesmo ritmo e o ponteiro dá voltas sem fim. A vela se acende e instantaneamente se derrete e apaga. As formigas devoram um inseto morto, começando pelas patas, as asas e por último a barriga. É necessário dar ritmo e ordem para que as coisas se mantenham estáveis. Na hora de dormir cobria os pés, as vezes a cabeça (a qual jamais ficava virada para o cemitério velho, ao oeste. Todas as outras direções eram permitidas). A pior coisa é quando a sede obrigava a ir até a cozinha, em passos largos e correndo logo que a luz se apagava. Quando a janela ficava aberta numa noite quente de verão a luz fraca da iluminação pública rendia uma segurança a mais. O rosto experimentava o frio agradável da parede e conhecia cada rachadura e saliência dela. Conseguir encaixar metade do corpo no espaço entre o colchão e a parede também acrescentava estabilidade ao quadro. Por fim se balançava o pé até adormecer.
 Mas nem sempre o ritmo era obedecido. Certa vez indo da cozinha para a sala deslizei no ar ao invés de descer o degrau. Era como se houvesse uma rampa invisível de vidro escorregadio e liso. Tentando entender o fato voltei ao mesmo lugar, mas ele não se repetia. Não aconteceu de novo nunca mais. E isso era realmente desconcertante pois isso escapava ao meu controle. Não era possível conter em uma ordem ou um hábito. Nem mesmo passível de repetição. Mas embora a desordem enlouquecedora causada pelo evento não podia negar a sensação agradável de flutuar e deslizar no ar, sem peso.
 Me lembro de um livro de crônicas na biblioteca da escola que dizia que se abrirmos uma porta muito rápido podemos parar em outro universo. E me perguntei se não estava transitando em universos semelhantes ao meu e mudando de um lugar para outro equivalente a cada segundo. Realmente alguns dias o mundo não parecia o mundo e nem eu parecia eu mesmo. Mas em outros momentos a razão e a normalidade silenciavam essa paranoia, até que o teletransporte ocorresse novamente e jogasse minhas ideias no espaço.
Talvez fosse o momento de aceitar o impossível numa ordem maior do que meus olhos poderiam perceber.

Até mais ^^.

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