segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Semana sétima ou calendário da clausura.

 Eu já estava cansado. O céu que se renova todos os dias revelava a triste novidade da repetição. Sentia algo me perseguindo, todo o tempo desde que me entendia por gente. E depois de tanto tempo e paranoias resolvi confrontar aquilo. Andei pelas ruas estreitas de pedras na noite clara. Roendo as unhas, os olhos zanzando da direita para a esquerda sem focar em algo, o tilinto nos ouvidos e o barulho de areia sendo mastigada na boca.
 -Vamos, se revele! Depois de me fazer mal por tanto tempo, irá se esconder?
De um beco lateral saiu fumaça, a qual segui e me deparei com uma figura estranha: 3 homens unidos pelas costas em um formato triangular, um tinha cabeça de leitão, um de bode e outro de cão. Todos tinham grandes cigarros na boca e soltavam jatos de fumaça. O tronco unido fortemente com grossas bandagens de algodão cru.
- Finalmente eles nos viu! Estávamos tão sozinhos...
Correram em minha direção mas rejeitei abraça-los. Nisto foram falando juntos, as vezes se alternando, mas jamais em confusão.
- Não sabemos de onde viemos, nem para onde vamos. Quem nos criou nos lançou aqui e na solidão acabamos nos tornando maus. Fomos te perseguir por diversão, mas então vimos que era igual a nós. Viemos fazer as pazes.
Aquilo me deu uma revolta no estômago e me confundiu. O silêncio daquela noite se propagava em ondas tão macias que acariciavam a pele e arrastava minhas gotas de suor. Absurdo! Demônios! Aquilo fazia sentido e tremi diante da possibilidade. A solidão absoluta era agora compartilhada.
Eles me seguraram pelo pulso, a cabeça de bode olhou nos olhos e me mostrou algo antes só alcançado em sonhos: a grande multidão.
Todas as coisas que já morreram, humanas, animais e além. Todas vagando juntas, nem havia espaço, pisavam nos pés umas das outras. Foi assim que eu aprendi a língua mais básica de todas, a língua dos insetos, das varejeiras de olhos azuis e dos vermes de cemitério.
Num instante tudo aquilo desapareceu, sumiu sem deixar rastros. Mas a língua de todas as coisas mortas parecia fazer mais sentido do que a das vivas. Me tornei o mestre dos vermes.

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