sábado, 31 de março de 2018

A morte de Antek

 A casa fria como uma cripta. De nada servia a lareira pois a lenha estava molhada. Algumas batatas cozinhavam no fogão da cozinha num ritmo vagaroso. Elas seriam o almoço daquele dia acompanhando metade de uma salsicha duvidosa comprada há uma semana e esquecida na prateleira. Antek espantava o frio e atiçava a fome com uma generosa dose de vodka, o único alimento que sobejava na casa.
 A bebida gelada descia queimando pela garganta e causando uma estranha dualidade: a pele fria e gelada e o interior em chamas. Antek batia o copo na mesa e fazia uma careta satisfeita. Depois de algumas repetições ele suava maleitoso no meio de um inverno rigoroso. A neve silenciosa havia coberto tudo com uma nulidade parda e prosseguia em sua missão. Parado olhando para o vazio a neve parecia ondular formando dunas e a claridade excessivamente branca feria os olhos. Foi a cozinha beber água e percebeu que a água da panela de batatas já havia secado e estas estavam queimadas. Num salto desligou a chama e batendo a panela com força derrubou as batatas na mesa. Tentou tirar a parte ruim, mas recuou falando palavrões ao ter os dedos queimados. Desistindo do almoço ruim resolveu beber mais um pouco para diminuir a decepção. A essa altura suas pernas deslizavam pela inconsistência do chão tremulante, e seu rosto anestesiado parecia sem peso algum, enquanto os braços eram feitos de chumbo. Deitou na cama engasgando com o próprio vômito que teimava em ir e voltar como o mar em ressacas. Na verdade o modo como a cama balançava lhe fazia recordar de seu pequeno barco na época que pescava com seu pai. Que Deus o tenha!
 Depois de um sono confuso ele ouviu gritos de socorro vindo da parte de fora da casa. Tentou ajustar os olhos que ficavam se revirando, pôs as botas e saiu para ver o que era. Engraçado o modo como o frio não o incomodava, na verdade nem frio fazia. Arregalando os olhos assustado viu um menino loiro a uma meia versta que gritava. Apressou o passo e foi na direção da figura imóvel. Ao se aproximar percebeu que aquele menino era parecido com ele quando criança: o mesmo cabelo loiro cuidadosamente penteado, a touca de pele e o jeito de falar arrastado...
- Antek, que bom que você veio me ajudar!
 A língua pesada de Antek não conseguiu falar nada compreensível, mas seu olhar era fixo e fascinado. O menino riu para ele e começou a correr, enquanto ele o seguia. Eram os únicos naquela grande imensidão alva. Logo a figura se escondeu em um lugar cheio de arvores altas e fugiu a visão dele.
- Garoto, onde você está? Não fuja, te levarei para casa, aqui fora está frio.
 Andou mais um pouco e o encontrou agora desacordado. Um lobo negro de coluna torta mastigava a perna da criança. Antek chorou e encarou. Pela fenda aberta na barriga escorria sangue espesso e o os olhos inexpressivos do menino o encaravam. Ele gritou e foi para cima do corpo, espantando o lobo, que fugiu assustado. Tomou-o nos braços e chorava desconsolado e imóvel. O corpo não tinha vida alguma e o sangue manchava a neve. Apertou a mão e se deitou ao lado.
 Três dias depois um militar que saiu para caçar o encontrou congelado, notificando as autoridades. Um médico foi chamado para determinar a óbvia causa da morte e ao olhar o corpo exclamou:
- Pobre alma danada!

Até mais ^^.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por ler mais um pensamento !
Deixe aqui sua opinião =]